domingo, 18 de outubro de 2015

Sem adeus

“...Ontem queria ter estado com você
Sei que faria o teu sorriso aparecer
Mas hoje de manhã eu li suas palavras
Foi hoje de manhã, eu preferia nem ter acordado
Levantei e tomei o meu café
Aí o telefone tocou
Hoje de manhã tudo mudou...”
Os Descordantes - Hoje de Manhã


Acordei ainda tonto. Olhei para o despertador ao lado da cama e reconheci meu quarto, mas a memória ainda fraca não me deixava lembrar como havia chegado ali. Aquelas horas gastas no bar da esquina de casa trouxeram à tona um rapaz que, principalmente pelo fato de você odiá-lo, eu faço o possível para manter enclausurado dentro de mim. Mas sua ausência na noite anterior não me permitiu controla-lo. Já iam para duas horas de espera desde nosso último contato por telefone e dois copos de suco de laranja não pareciam ser suficientes para me distrair enquanto você chegava. E, depois de vencer o receio em te ligar mais uma vez, sua voz na caixa postal era o que faltava para eu suprir minha vontade e pedir uma dose de uísque.

Eu ainda acreditei que você pudesse aparecer. Arrumei todas as desculpas possíveis para corroborar seu atraso, como eu sempre costumo fazer antes de deixar que a decepção me domine. Lembro bem de dizer ao barman, quando aconselhado a desistir e ir pra casa depois de me abrir com ele, que você tinha me dito que estava com saudades e isso era suficiente para que eu continuasse ali a te esperar. Se você não disse que não iria, é porque ainda havia uma mínima possibilidade de aparecer. Mas minha consciência ia se esvaindo a cada dose daquele quinze anos que eu entornava na garganta. E a última coisa que me lembro, antes de abrir os olhos e dar de cara com meu despertador, é ignorar a mensagem que você me enviou por volta das três da manhã.

Hoje, ainda meio tonto, levantei da cama e segui para a cozinha. Um copo de água gelada, algumas bolachas e um iogurte foi tudo o que aquela dor de cabeça incômoda que se apossava gradativamente de mim permitiu que eu ingerisse. Ainda bem, porque dali alguns minutos eu não conseguiria ingerir mais nada. Enquanto ensaiava se lia ou não sua mensagem, percebi um bilhete em cima da mesa. Eu ainda não lembrava, mas ali o barman da noite anterior me garantia ter voltado para casa em segurança. O P.S. ao final me aconselhava a te deixar ir. Acreditei que ler a mensagem pudesse me fazer ter coragem de conseguir tal feito. A cada palavra meu peito doía mais. Eu não acreditava que você estava se despedindo de mim através de uma mensagem. E, afinal, ia para onde?

Antes que pudesse digitar seu número para perguntar, o telefone tocou. Não sei se era a dor de cabeça, mas parecia estar mais alto que de costume. Nenhuma das desculpas que eu inventara na noite anterior chegava aos pés da realidade que ensurdeceu minha audição. Via suas publicações nas redes sociais e me incomodava como você conseguia estar tão bem, sempre rodeado de várias pessoas e com sorrisos no rosto. Mas eu não sabia. Eu sequer cogitei a possibilidade de ir até sua casa e forçar esse encontro depois de tantos meses. Eu não imaginava que, ao contrário do que pensava, você seguia por um caminho escuro e solitário. A dor por não saber do seu destino só não foi maior do que a que senti quando aquela pessoa do outro lado da linha o revelou para mim. Porque você já não estava mais aqui para fazê-lo por si.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Querido João (soa bem, não é?),

 

Páginas em branco são espaços para contar uma nova história. O que não impede que novas histórias comecem em páginas já rabiscadas. E boas histórias, lindas histórias, surgem depois de alguns rascunhos. É errando que se aprende. É permitindo o coração aberto que se possibilita percorrer caminhos difíceis até encontrar a luz. A minha é branca. E é de paz.
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Lembrei daquele jeito mal-humorado de não saber ser elogiado. O sorriso quase imperceptível que os lábios forçadamente cerrados tentam disfarçar porque “alguém como você” não merece um mínimo elogio pela grandiosidade que não acredita ter dentro de si mesmo. Você, que é lindo por dentro e por fora, mas o medo do espelho não deixa reconhecer isso em si mesmo. Lembrei das primeiras horas, mais animadas, mas menos íntimas, quando você gesticulava menos para contar uma história e mais para fazer graça com a música que tocava. E quando, perto de nos despedirmos, os gestos já eram mais comunicativos que engraçados, o olhar era mais sincero que desacreditado, e a música fazia com que eu quisesse sentar cada vez mais perto de ti a cada hora que me levantava por trinta segundos só porque não tinha coragem de sentar do lado logo de uma vez.
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Eu tentei contar uma história sobre essa história, mas me perdi entre páginas e páginas abertas com um ou dois parágrafos escritos. Muito aconteceu e pouco registrei os acontecimentos em palavras – como você tão bem faz com os momentos em suas fotografias, diga-se. Então a cada lembrança um novo enredo ia surgindo e me desconcertando a inspiração com mais inspiração. Até que, entre músicas, e-mails e mensagens, onde eu buscava qualquer coisa que pudesse me fazer concluir pelo menos um daqueles escritos, eu percebi que essa é uma das histórias mais loucas, lindas e intensamente verdadeiras que eu irei viver na vida. Histórias assim devem ser contadas tal qual aconteceram, porque devemos à exatidão dos acontecimentos o fato de serem incríveis.
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Lembrei de um dos poucos momentos em que me deixei transparecer amedrontado, e a única coisa que me dava paz era ouvir tua voz, que se fazia calma mais porque eu precisava do que por você estar se sentindo assim. Lembrei do quanto eu sou muito mais “inho” do que penso e que o fato de te ver fofinho, lindinho e meiguinho nada tem a ver com infantilidade, mas com essa empatia e compaixão que eu sinto tanto e dificilmente encontro em outras pessoas. Lembrei de quantas vezes te vi deitado e dei um passo à frente para te acompanhar, acovardando-me em seguida para dar o segundo. E do quanto eu quero ter ouvido que sou teu tipo de cara e não que faço ligações entre assuntos divergentes. Lembrei de ti sem camisa, acanhado, enquanto eu só queria, sem malícia mesmo, deitar minha cabeça do no teu ombro ou te fazer cafuné enquanto você deitava a sua no meu dentro daquela piscina de onde víamos a nossa praia de Copacabana.
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Eu tentei falar dos primeiros meses do ano e do quanto aquela loucura toda era a loucura que eu mais precisava experimentar para me sentir vivo. Mas é impossível explicar e se fazer entender para quem nunca perdeu a sanidade. Então percebi que há na loucura uma coisa que, sãos ou não, todos conseguem enxergar: a liberdade. Não importa o quanto tenhamos sido loucos ou assim deixado de ser aos olhos dos outros, nós fomos livres aos nossos próprios olhos. Fomos livres para nos conhecer e desconhecer, para ganhar e perder. Fomos livres para perdoar sem esquecer aquilo que já não é mais lembrado. Fomos livres para amarmos, sermos amados e amarmos mais ainda a vida. Livres fomos à loucura e loucos nos sentimos livres para ser sãos.
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Eu lembrei do olhar. Do olhar sorrindo que me fazia desviar meus olhos para qualquer lugar que não estivesse diretamente fitando os seus. E lembrei daquela vontade de fugir porque eu queria continuar me sentindo daquele jeito que você chamava de estranho de sentir. E queria saber se era tão estranho, mas capaz de ser traduzido em algum momento como um desejo louco, uma vontade incontrolável de ser feliz que aquela pessoa em frente parecia a solução. E queria mais tempo para gerar mais coragem de agir do jeito que eu quis agir diversas vezes e não consegui. E lembrei de quando me dei conta que o tempo chegava ao fim e a covardia da palavra falada foi abalada pela coragem das palavras escritas. Foi quando eu te vi partir.
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Eu tentei desabafar sobre um dos momentos mais difíceis que carrego na lembrança, mas para falar do quanto foi também um dos momentos que eu mais me orgulho de lembrar. Estava receoso de que, ao fazê-lo, sentimentos conturbados viessem a se misturar com a gostosa nostalgia que era reler algumas das coisas que eu havia parafraseado numa agenda, mas fui surpreendido pela percepção de que sua honestidade é a lembrança mais nítida que tenho daquele momento. Quando confrontado com todas aquelas palavras duras ditas por você meses atrás, foi a tua sinceridade o que mais me assustou. A verdade dói, mas, ainda assim, é uma verdade. E a honestidade pode assustar e doer o quanto for, mas, ainda assim, ela faz parte de quem você é.
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Na hora que ouvi você dizer que não chegaria ao fim foi quando eu acordei com medo. Um medo daqueles mesmo, que a gente sente no coração, às vezes sem explicação. Mas, dessa vez, era um daqueles medos em que gente só quer se fazer acreditar que não tem explicação. Porque sabemos seus motivos, sabemos sua origem, sabemos o risco que existe em não leva-lo em consideração. Ficamos reféns daquele sentimento que parece corroer o interior da gente por completo, deixando-nos vazios e incapazes de enfrentar esse medo, porque sentir-nos preenchidos de algo que nos faz bem não nos é permitido. Ou, pior, não nos é merecido.
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Eu tentei até escrever sobre o nosso primeiro encontro meses depois de nos falarmos pela última vez: o impacto da troca de olhares, o chão que faltou em seguida, as lágrimas lamentando a falta de palavras, o amadurecimento cobrando atitude, o álcool dando coragem e o amor me fazendo dar o primeiro passo. O mesmo amor que me faz lembrar da nossa história e ter certeza que algumas histórias são curtas, mas nem por isso são menos importantes ou perdem o encanto enquanto estava sendo escrita – principalmente se for uma história incrível. O mesmo amor que me fez sorrir com o seu segundo passo e todos os outros passos nossos que vieram em seguida. O mesmo amor que me faz te levar comigo no coração para onde for.
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Eu acordei com medo. E era muito medo mesmo. E então lembrei do quanto a lembrança pode ser a cura num momento de temor. O quanto ter sido feliz em algum momento pode aliviar aquele coração acelerado e o olhar aflito e inerte fitando a parede. Eu lembrei e me senti tão especial e querido e reconhecido e inspirado e feliz que não consigo nem usar vírgulas para dar espaço e comprometer a medida real de todos esses sentimentos. Eu lembrei e eu quis fazer lembrar, porque seria covardia demais de minha parte deixar mais uma vez passar aquele momento em que eu tenho a chance de dizer alguma coisa e, ao invés de sentimentalizar, dramatizo o que poderia ser o primeiro passo para ser feliz.
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Obrigado, João, por termos vivido uma das histórias mais incríveis que um dia poderemos contar. Obrigado, João, pela disposição em me acompanhar na loucura, pelo querer recíproco da sanidade e, principalmente, por ter dividido comigo o sabor da liberdade. Obrigado, João, por ter sido honesto comigo por querer e não só por ser necessário. Obrigado, João, por ter me ensinado mais sobre o amor que um dia você pode imaginar. Obrigado, João, por você ter ficado, mesmo depois de ter me dito que ia partir. Eu consegui me acostumar com o teu silêncio porque, como disse uma vez, parei de questionar nossas razões e escolhi ser feliz, mas nunca aceitei de bom grado a possibilidade de nunca mais te ouvir. Obrigado, João, por acreditar em mim. Obrigado, João, por quebrar o teu silêncio e permitir que eu pudesse me sentir ainda mais feliz.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Confuso é complicar

 

Pergunta-se: porque que ele passa tanto tempo sem falar e agora, do nada, resolve abrir o verbo? Você deve estar achando que eu estou falando isso como uma forma de indignação. Mas não, é pra responder da seguinte forma: nunca é tarde. Pra isso nunca é tarde. Pro amor nunca é tarde. Aí ele fala que não quer te confundir, que ele já ta confuso. Mas confundiu. Confundiu porque se ele não tem certeza do que sente, porque ele fala? Num era ele que não queria falar? Mas... Nunca é tarde, não esqueça. Pra ser bem sincero com você, talvez seja impossível que ele tenha isso claro na vida dele. Sozinho, realmente, ele não vai ter. Ou vai, daqui a uns dez anos, quando você estiver casada, com um casal de filhos e morando n’um apartamento de meio milhão. Talvez ele nunca vá chegar numa conclusão. Assim como você também não.

Porque, de uma certa forma, você também é uma pessoa confusa, não é? Não que você não tenha certeza do que sente por ele, mas é que agora apareceu uma pessoa na sua vida, bem bacana, e te confunde saber se troca o certo pelo duvidoso, certo? Mas que certo? Porque ele é legal, bacana, gente fina, te chama pra viajar, te chama pra tudo e quer compartilhar tudo com você? Nós virginianos somos muito certinhos, então daríamos belos indianos do tipo: amor se constrói. E não iríamos arriscar a vida procurando amores por aí, pra só casar quando estivéssemos realmente apaixonados.

Mas, apesar de certinhos, nós não somos tão virginianos assim. Preferimos uma paixão arrebatadora, que doa no peito de tão intensa, a um amor mais calmo. E sabe porque? Porque a nossa vida tão certinha carece muito de emoção. E a nossa emoção vai entrar justamente aí, na parte que nós realmente não podemos controlar: o coração. E é por isso que a gente se confunde tanto quanto estamos falando especificamente de relacionamentos amorosos. Nossa cabeça é um mar profundo, mas tão profundo, que a gente não sabe se vai conseguir chegar ao fim. No caso em questão, chegar a uma conclusão. Você sabe se é isso que você quer? É ele que você quer? Ou é simplesmente o fato de isso estar mexendo profundamente com suas emoções que te faz querer isso

Acho que você nunca desistiu dele. Ele está marcado em você de uma forma que só quem já passou por isso sabe. Eu sei. E não há nada que vá mudar isso. Isso é amor? É. É amor o que você sente por ele. Mas isso não quer dizer que você precise estar com ele pra ser feliz. É um amor que vai ficar aí pra sempre. Não vai sair de você nunca. Porque, assim como eu, você ama de verdade. E quem ama de verdade não esquece jamais. Não esquece porque de cada amor que passa pela sua vida, você carrega um pouquinho pra sempre. A pergunta, então, aqui é se você realmente QUER estar com ele, ou é simplesmente esse desejo, essa vontade de estar com aquele cara lá, aquele cara que representou tanto na sua vida

O que aquele moço representa pra você hoje? Eu sei que ontem ele representava um carinha legal, mas que num rolava muita coisa assim. E hoje? Como está hoje? Como você se sente perto dele hoje? Amanhã... Bem, amanhã é amanhã. Se preocupar com o amanhã só traz mais problemas pra gente (e nem adianta eu falar isso... nós virginianozinhos metódicos não conseguimos olhar pra hoje sem pensar no amanhã). A pergunta fatal, que eu te fiz há alguns meses atrás, lembra?, é a seguinte: quem te faz sentir borboletas no estômago? É difícil. É muito difícil tomar decisões, refletir sobre tudo isso e chegar a uma conclusão só. Isso se chegar a alguma conclusão. Deixa a poeira baixar, a cabeça pensar, o coração acalmar.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Entre falas, gestos e escritos

 

Nunca fui bom em oratória. Pelo contrário, falar em público sempre me deixou nervoso, com mãos trêmulas e suando frio. Apresentar trabalho na sala de aula era a maior tortura da minha vida. Nunca soube lidar em ser o centro das atenções para coisa séria. Talvez tivesse vergonha das minhas ideias ou simplesmente não conseguisse ser firme para ensinar alguma coisa.

Com o tempo acabei aprendendo a lidar melhor com isso, acabei aprendendo que, em determinadas situações, eu seria obrigado a encarar as pessoas à minha frente. E, mais importante ainda, eu iria aprender a encarar até mesmo aquelas que eu não conhecia. Claro que isso não acontece em todas as ocasiões, mas consigo ser suficientemente corajoso pra apresentar um trabalho, pra expor uma ideia a um grupo, para ler meu discurso de formatura da forma mais natural possível e até para me declarar àquelas pessoas por quem me apaixonei. Alguns eu conquistei assim.

Já outros por pequenas atitudes que eu também sempre considerei muito mais importantes que quaisquer outras extremamente magníficas. Sempre me ateei ao simples, aos detalhes. Porque, pra mim, era aí que tava a beleza da coisa. O significado era mais importante do que o próprio objeto. Alguns eu conquistei assim.

Mas eu sempre fui bom em escrever. Sempre fui elogiado pela letra, pelas palavras bem articuladas no papel, pela criatividade nas atividades que exigiam o uso da imaginação. Sempre fui bom em me esconder atrás dos papéis. Foi assim que uma vez namorei por cartas, ou na vez em que quis contar aos meus pais que eu fumava, ou até mesmo na hora de pedir desculpas por algo errado que fiz. Muitos eu conquistei assim.

No acontecer das coisas acabei conquistando por cada parte dessas. Mas, se gostaram de mim, me amaram foi porque conheceram pelo menos um pouco de todas delas. Só que o tempo passa, as coisas mudam, quer você queira, quer não. Aqueles com as quais você mais agia, você passa a falar mais. Aqueles com que você mais falava, acaba escrevendo mais. E aqueles para os quais mais escrevia, agora se relaciona apenas por pequenos gestos.

Nem eu seria capaz de entender isso sem vivenciar. Porque passei quase minha vida inteira acreditando que as coisas não podiam ser assim. Que essas mudanças não significavam o natural ciclo da vida, mas uma falta de amor, uma falta de sentimento, um desprezo que chegava a ser muito desprezível. Nunca foram justos comigo aqueles que isso faziam. Até que eu visse, ouvisse, lesse, sentisse na pele, no sabor e, por fim, entendesse.

E quando você entende você acaba querendo que todos os outros entendam também. Essa é a parte difícil que você também demora pra aceitar. Que os outros tem o próprio tempo. E esse tempo um dia chega. O tempo que você percebe que pode estar feliz sozinho. O tempo que você percebe que te amam, mas a forma como demonstravam isso pode ter mudado. E até não existir mais. Mas isso não quer dizer que o sentimento não está ali.

Mas é o ciclo natural da vida. Nem todo mundo entende. Nem eu entendia. Nem você, talvez, entenda. Isso é crescer. Pra mim crescer é entender. Desde que eu comecei a olhar para as coisas da vida com um olhar de aprendizado e não da vítima perseguida na sua felicidade, eu passei a estar mais feliz. Porque, sim, eu sei que meus problemas não são maiores que os dos outros. Mas eu já sei discernir, dentre os meus, para os quais eu devo realmente buscar soluções ou para os quais eu tenho que tirar da categoria de problema e colocar na prateleira de simples egocentrismo.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Abraço do bem

 

Normalmente, quando não se está tendo um bom dia, o abraço de alguém – as vezes até de um desconhecido – é capaz de transformar o indisposto na disposição em forma de gente. Um abraço, quando o mundo ao redor parece estar ruindo, é uma das formas mais puras de se confortar alguém, mesmo quando suas únicas palavras para ela na vida foram: quer um abraço? Até o mais falso dos abraços pode ser um abraço sincero. Porque o abraço em retorno é muito mais importante que aquele que se dá. Pode ser um abraço sincero porque também pode não ser. Vai de cada um deixar que o altruísmo se faça presente quando não sentir veracidade nos braços que o contornam.

Tem também aquele ao qual eu chamo de abraço do bem. Que vem como um abraço qualquer, mas quando chega consegue preencher todos aqueles espaços que você nem imaginava que estavam vazios. Não que outros sejam do mal, mas é a forma carinhosa como resolvi chamar esse gesto inesperado. Por força do hábito, os dedos de um se elevam, dançando no ar para um provável aperto de mão, mas os dedos do outro se adiantam um pouco mais ao corpo em busca de um gesto mais significativo. O disfarce é inútil: sim, o desmonte corporal é total e não adianta tentar fingir que a reação primeira foi completamente normal.

O abraço do bem vem em forma de gente desconhecida, de colegas de trabalho, amigos de infância ou até mesmo do melhor amigo, vai saber (as vezes o melhor amigo não é de demonstrar qualquer tipo de emoção, o que torna um abraço algo muito inesperado). E o legal é justamente que você não espera, o que o torna algo significativamente especial. Não mais importante que outros, mas importantemente diferente. Um abraço inesperado é como ganhar sozinho na loteria com aquele jogo que você fez por fazer porque seu pai pediu. Esses abraços, acredito eu, são capazes de fazer com que uma pessoa se sinta única no mundo, ainda que por poucos segundos.

Mas abraços do bem, geralmente, também trazem consigo uma dor. Porque boa parte desses abraços chegam como um convite para a reciprocidade. E, na verdade, eu os chamo de abraço do bem porque considero que boas pessoas – ainda que desconhecidas – são capazes de abraçar verdadeiramente de volta. Porque abraços do bem raramente vem quando você precisa deles. O mínimo que se espera numa situação ruim é que alguém negue um abraço, então é fato que sempre se espera um abraço quando se demonstra necessitando dele. Tem pessoas que demonstram isso – ironia? – abraçando. Como saber? Não se sabe, se sente.

Um abraço do bem é algo impossível de explicar como reconhecer. Porque não dá para reconhecer através dos olhos ou das palavras aquilo que só se conhece sentindo. É na hora, é no tato, é naquele emaranhado de pelos corporais alheios encostando nos seus que você escolhe: retribuir verdadeiramente um gesto tão sublime ou ignorar o fato de poder transformar mais um dia ruim do outro naquele que poderia ser o primeiro de dias melhores. Sim, um abraço pode tornar o dia de qualquer pessoa melhor. Até mesmo de pessoas ruins, diga-se.

É da minha natureza buscar fazer do dia do outro um dia melhor, ainda que o meu esteja horrível. Se for realmente necessário que eu saia de casa num dia ruim, acredito que já basta minha própria energia exalando inquietações invisíveis no outro. Eu faço parte das exceções quanto ao que acredito ser o abraço do bem. Porque, no fim das contas, eu sempre preciso de um abraço. Não porque precise me sentir seguro, mas porque eu acho o abraço um dos gestos mais incríveis de se demonstrar afeto a alguém. E afeto eu consigo sentir até por desconhecidos, já percebi. E um abraço do bem, pelo menos de minha parte, será sempre devolvido com a mesma reciprocidade.

domingo, 4 de outubro de 2015

Do começo ao fim

 

Que sentimento é esse que penetra meu corpo
Que me engasga, me deixa completamente louco
Pureza de um samba, sensualidade de um tango
Arrepio nos braços, costas e âmago

Que desejo é esse que consome meu corpo
Que entorpece meu cérebro como psicotrópico
Feroz como um bicho, voraz como um faminto
Adrenalina nas veias, sangue quente subindo

Que sentimento é esse que faz parte de meu corpo
Que me domina e teima em me fazer teu escravo
Sensibilidade de espírito, confiabilidade do amor
Fantasia romântica de um eterno sedutor

Que desejo é esse que transborda meu corpo
Que conhece teus defeitos e faz de mim teu porto
Reluzentes olhos que nos meus se aprofundam
Dois corpos que em um se juntam

Que sentimento é esse que sai de meu corpo
Que me enrubesce nervosamente e me deixa raivoso
Inconveniência humana, insegurança alheia
Tempestade tanta por tantas incertezas 

Que desejo é esse que absorve meu corpo
Que enlouquece minha alma, ensandece meus poros
Mudez de um rouco, brutalidade de psicopata
Essa sensação doentia que corrói e mata