terça-feira, 28 de julho de 2015

Saudade que alivia saudade


Pode ter sido coincidência, mas prefiro acreditar que foi o desacreditado destino o responsável por justamente hoje eu não me caber de tanta saudade e, olha só, ser o seu aniversário, a menina que me fez sentir saudade pela primeira vez. Resolvi, então, te escrever. Assim, meio como uma troca de palavras entre dois desconhecidos que se conheceram na infância e cuja lembrança, da minha parte, remete à maiô vermelho, chinelos e a esquina que ainda é o fim da rua em resido. Resolvi te escrever meio que como para fazer sair aqui de dentro como eu, em tão tenra idade, lidei com aquela saudade que me era tão latente. Acredito que temos muito a aprender com as crianças. Inclusive aquela que nós fomos.

É que eu vou sentir saudade de novo, sabe? Aquela mesma saudade, talvez menos inocente, mas tão dura quanto. Porque precisarei me despedir de vícios, costumes, coisas e pessoas que ou não me fazem bem ou não pertencem mais ao meu lugar. Hoje é seu aniversário e imagino que você seja daquelas pessoas que considera essa data o verdadeiro ano novo a trazer novos desejos, novas metas, novos sonhos e novas realizações. Então você sabe do que eu to falando. É difícil, né? Dar adeus sem querer, porque é necessário. Ou estou eu sendo por demais dramático? Ou, pior, será que estou perdendo a compostura racional que um jovem de vinte e seis anos – quase vinte e sete – já deveria ter perante a vida?

Eu lembro que sofri nos primeiros dias. A menina do maiô vermelho nunca mais apareceu no clube durante as aulas de natação. A menina do maiô vermelho, na verdade, nunca mais apareceu em qualquer outro lugar se não única e exclusivamente na minha memória. É uma lembrança boa, gostosa de lembrar sempre que nos encontramos. Como disse-me uma vez uma amiga, “é bom se reconhecer em outra pessoa. Sem essa de se sentir completo, só reconhecer mesmo”. Eu enxergo um garotinho tão puro e inocente quando me reconheço em você, que até peço desculpas por bater sempre nessa tecla e ficar lembrando disso e te escrever do nada e e e... Mas é que eu fui notificado do seu aniversário e justo na hora em que pensava sobre o quanto já parecia estar sentindo saudade antes mesmo de dar adeus.

E então eu percebi. Acabei de perceber, quero dizer. Não lembrei como consegui vencer aquela saudade, mas enquanto escrevia pra você eu percebi que não era para a menina do maiô vermelho que eu escrevia. Era pra mulher Lorena, desbravadora de outras fronteiras que à casa torna porque, sim, algumas dessas lembranças vão continuar sendo presente passe o tempo que passar sem importar quantos quilômetros distante se está. Percebi que escrevia pra você – pela segunda vez – mesmo depois de você ter me dado adeus tantos anos atrás. Nosso adeus não retroage, portanto não leva nossas lembranças. E são elas que acalentam essa saudade que fica depois da despedida.

Saudade aliviando saudade, quem diria. Acredito que foi isso que, sem que eu percebesse, me conduziu por dias até que eu já não me lamentasse mais por você ter ido embora. Chega um dia que ou a gente segue em frente ou vira um poço de lamúrias esquecido nos fundos de um sítio. É esse poço que a gente vai deixando de alimentar com o passar dos anos, a cada novo ano que, tal qual você hoje, damos as boas-vindas. Dar dois passos para trás é, por vezes, assumir nossa fraqueza para fazermo-nos mais fortes. Talvez despedir-se seja como exteriorizar pelo menos um pouquinho de orgulho por quem somos e, mais ainda, desejamos ser. Eu não sei se um dia podermos definitivamente dizer que chegamos onde queríamos chegar, mas espero que, assim como eu farei todo o possível pra que isso aconteça comigo, você esteja no caminho que deseja estar.

domingo, 12 de julho de 2015

O mundo aqui fora tá louco


O mundo lá fora tá louco. O mundo aqui dentro também. Tênue linha da insanidade no espaço limítrofe dos dois, reforçada pelo medo, pela covardia e pelos tremores corporais que fazem o sangue esquentar e o corpo desfalecer ante o menor sinal de invasão. Loucura minha que os loucos de fora não entendem, tal qual eu não entendo a lógica deles de sempre racionalizar a loucura alheia. Ainda assim, vez ou outra, me deixo sair um pouco em meio àquela humanidade completamente desestruturada emocionalmente na esperança de que ainda encontre alguém tão louco quanto eu para fortalecer o mundo de dentro e amarrar com sanidade as pontas soltas.

O mundo lá fora tá louco. Inspira. Sou parte agora do mundo que assisto enlouquecer de longe. Contraceno com todas as cabeças vazias que eu não sabia serem tão vazias como são ao se olhar mais de perto. São elas que carregam os corações mais puros, mas são também vistas como as mais covardes, é de se perceber pela intensidade com que o sangue jorra do lado esquerdo do seu corpo: passam a maior parte no tempo enchendo outras cabeças que deveriam se encher sozinhas e esquecem de preencher a si mesmas. E isso dói. Tal qual elas eu sei onde aquele vazio as vai levar. Talvez seja uma delas tão louca quanto eu e possamos fazer do coração de um a cabeça cheia do outro.

O mundo lá fora tá louco. Inspira. Respira. Das coisas belas desse mundo de loucos eu sempre invejei os jardins. Via as flores de longe e lágrimas vertiam dos olhos como esperança de fertilizar o terreno contaminado por toda aquela mágoa que existe lá dentro. Talvez um buquê de flores seja uma feliz surpresa no caso de um possível primeiro encontro com loucura igual a minha. Eu quero tudo perfeito, diferente do que a vida se faz ser no meu mundo de dentro. Eu sempre planejei demais, escolhi demais, quis dar passos mais largos que as pernas e tropecei nos meus próprios pés. E sempre que tropeçava eu voltava pro meu mundo sem querer olhar para trás. Eu tinha medo do lado de fora. Mas continuava invejando os jardins.

“O mundo lá fora tá louco. Inspira. Respira. E não pira.” Eu li na placa atrás da porta quando me retirava da floricultura. Olhei pra trás, apontei pra placa e dei um sorriso amarelo, antes de ir porta afora. Ela nem tinha a cabeça vazia, a florista. E, pela forma como amarrou o laço ao redor daquela dúzia de rosas, tinha o coração cheio de uma loucura tal qual eu bem conhecia: esperava encontrar alguém de puro coração, mesmo que com a cabeça vazia. Ela não queria racionalizar loucura de ninguém, só ter alguém para ser feliz com suas loucuras. Hoje eu voltei pro meu mundo sem tropeçar. E o buquê eu deixei do lado de fora da floricultura: “O mundo aqui fora tá louco. Inspira. Respira. E não pira” eu escrevi no bilhete.