quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Querido João (soa bem, não é?),

 

Páginas em branco são espaços para contar uma nova história. O que não impede que novas histórias comecem em páginas já rabiscadas. E boas histórias, lindas histórias, surgem depois de alguns rascunhos. É errando que se aprende. É permitindo o coração aberto que se possibilita percorrer caminhos difíceis até encontrar a luz. A minha é branca. E é de paz.
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Lembrei daquele jeito mal-humorado de não saber ser elogiado. O sorriso quase imperceptível que os lábios forçadamente cerrados tentam disfarçar porque “alguém como você” não merece um mínimo elogio pela grandiosidade que não acredita ter dentro de si mesmo. Você, que é lindo por dentro e por fora, mas o medo do espelho não deixa reconhecer isso em si mesmo. Lembrei das primeiras horas, mais animadas, mas menos íntimas, quando você gesticulava menos para contar uma história e mais para fazer graça com a música que tocava. E quando, perto de nos despedirmos, os gestos já eram mais comunicativos que engraçados, o olhar era mais sincero que desacreditado, e a música fazia com que eu quisesse sentar cada vez mais perto de ti a cada hora que me levantava por trinta segundos só porque não tinha coragem de sentar do lado logo de uma vez.
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Eu tentei contar uma história sobre essa história, mas me perdi entre páginas e páginas abertas com um ou dois parágrafos escritos. Muito aconteceu e pouco registrei os acontecimentos em palavras – como você tão bem faz com os momentos em suas fotografias, diga-se. Então a cada lembrança um novo enredo ia surgindo e me desconcertando a inspiração com mais inspiração. Até que, entre músicas, e-mails e mensagens, onde eu buscava qualquer coisa que pudesse me fazer concluir pelo menos um daqueles escritos, eu percebi que essa é uma das histórias mais loucas, lindas e intensamente verdadeiras que eu irei viver na vida. Histórias assim devem ser contadas tal qual aconteceram, porque devemos à exatidão dos acontecimentos o fato de serem incríveis.
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Lembrei de um dos poucos momentos em que me deixei transparecer amedrontado, e a única coisa que me dava paz era ouvir tua voz, que se fazia calma mais porque eu precisava do que por você estar se sentindo assim. Lembrei do quanto eu sou muito mais “inho” do que penso e que o fato de te ver fofinho, lindinho e meiguinho nada tem a ver com infantilidade, mas com essa empatia e compaixão que eu sinto tanto e dificilmente encontro em outras pessoas. Lembrei de quantas vezes te vi deitado e dei um passo à frente para te acompanhar, acovardando-me em seguida para dar o segundo. E do quanto eu quero ter ouvido que sou teu tipo de cara e não que faço ligações entre assuntos divergentes. Lembrei de ti sem camisa, acanhado, enquanto eu só queria, sem malícia mesmo, deitar minha cabeça do no teu ombro ou te fazer cafuné enquanto você deitava a sua no meu dentro daquela piscina de onde víamos a nossa praia de Copacabana.
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Eu tentei falar dos primeiros meses do ano e do quanto aquela loucura toda era a loucura que eu mais precisava experimentar para me sentir vivo. Mas é impossível explicar e se fazer entender para quem nunca perdeu a sanidade. Então percebi que há na loucura uma coisa que, sãos ou não, todos conseguem enxergar: a liberdade. Não importa o quanto tenhamos sido loucos ou assim deixado de ser aos olhos dos outros, nós fomos livres aos nossos próprios olhos. Fomos livres para nos conhecer e desconhecer, para ganhar e perder. Fomos livres para perdoar sem esquecer aquilo que já não é mais lembrado. Fomos livres para amarmos, sermos amados e amarmos mais ainda a vida. Livres fomos à loucura e loucos nos sentimos livres para ser sãos.
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Eu lembrei do olhar. Do olhar sorrindo que me fazia desviar meus olhos para qualquer lugar que não estivesse diretamente fitando os seus. E lembrei daquela vontade de fugir porque eu queria continuar me sentindo daquele jeito que você chamava de estranho de sentir. E queria saber se era tão estranho, mas capaz de ser traduzido em algum momento como um desejo louco, uma vontade incontrolável de ser feliz que aquela pessoa em frente parecia a solução. E queria mais tempo para gerar mais coragem de agir do jeito que eu quis agir diversas vezes e não consegui. E lembrei de quando me dei conta que o tempo chegava ao fim e a covardia da palavra falada foi abalada pela coragem das palavras escritas. Foi quando eu te vi partir.
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Eu tentei desabafar sobre um dos momentos mais difíceis que carrego na lembrança, mas para falar do quanto foi também um dos momentos que eu mais me orgulho de lembrar. Estava receoso de que, ao fazê-lo, sentimentos conturbados viessem a se misturar com a gostosa nostalgia que era reler algumas das coisas que eu havia parafraseado numa agenda, mas fui surpreendido pela percepção de que sua honestidade é a lembrança mais nítida que tenho daquele momento. Quando confrontado com todas aquelas palavras duras ditas por você meses atrás, foi a tua sinceridade o que mais me assustou. A verdade dói, mas, ainda assim, é uma verdade. E a honestidade pode assustar e doer o quanto for, mas, ainda assim, ela faz parte de quem você é.
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Na hora que ouvi você dizer que não chegaria ao fim foi quando eu acordei com medo. Um medo daqueles mesmo, que a gente sente no coração, às vezes sem explicação. Mas, dessa vez, era um daqueles medos em que gente só quer se fazer acreditar que não tem explicação. Porque sabemos seus motivos, sabemos sua origem, sabemos o risco que existe em não leva-lo em consideração. Ficamos reféns daquele sentimento que parece corroer o interior da gente por completo, deixando-nos vazios e incapazes de enfrentar esse medo, porque sentir-nos preenchidos de algo que nos faz bem não nos é permitido. Ou, pior, não nos é merecido.
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Eu tentei até escrever sobre o nosso primeiro encontro meses depois de nos falarmos pela última vez: o impacto da troca de olhares, o chão que faltou em seguida, as lágrimas lamentando a falta de palavras, o amadurecimento cobrando atitude, o álcool dando coragem e o amor me fazendo dar o primeiro passo. O mesmo amor que me faz lembrar da nossa história e ter certeza que algumas histórias são curtas, mas nem por isso são menos importantes ou perdem o encanto enquanto estava sendo escrita – principalmente se for uma história incrível. O mesmo amor que me fez sorrir com o seu segundo passo e todos os outros passos nossos que vieram em seguida. O mesmo amor que me faz te levar comigo no coração para onde for.
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Eu acordei com medo. E era muito medo mesmo. E então lembrei do quanto a lembrança pode ser a cura num momento de temor. O quanto ter sido feliz em algum momento pode aliviar aquele coração acelerado e o olhar aflito e inerte fitando a parede. Eu lembrei e me senti tão especial e querido e reconhecido e inspirado e feliz que não consigo nem usar vírgulas para dar espaço e comprometer a medida real de todos esses sentimentos. Eu lembrei e eu quis fazer lembrar, porque seria covardia demais de minha parte deixar mais uma vez passar aquele momento em que eu tenho a chance de dizer alguma coisa e, ao invés de sentimentalizar, dramatizo o que poderia ser o primeiro passo para ser feliz.
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Obrigado, João, por termos vivido uma das histórias mais incríveis que um dia poderemos contar. Obrigado, João, pela disposição em me acompanhar na loucura, pelo querer recíproco da sanidade e, principalmente, por ter dividido comigo o sabor da liberdade. Obrigado, João, por ter sido honesto comigo por querer e não só por ser necessário. Obrigado, João, por ter me ensinado mais sobre o amor que um dia você pode imaginar. Obrigado, João, por você ter ficado, mesmo depois de ter me dito que ia partir. Eu consegui me acostumar com o teu silêncio porque, como disse uma vez, parei de questionar nossas razões e escolhi ser feliz, mas nunca aceitei de bom grado a possibilidade de nunca mais te ouvir. Obrigado, João, por acreditar em mim. Obrigado, João, por quebrar o teu silêncio e permitir que eu pudesse me sentir ainda mais feliz.

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