sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Votos

 

Quem diria que o dia de hoje seria nosso? Quem diria que, anos depois estaríamos aqui atestando que, definitivamente, algumas brincadeiras não só tem um fundo de verdade como podem vir a deixar de ser brincadeira e se tornar realidade. É, pode ainda não parecer, mas esse momento está acontecendo. E insisti nessa ideia de troca de votos não porque acho que precisemos nos declarar ou fazer promessas além do protocolo, mas porque, talvez, você pode não estar se sentindo tão plena, feliz e realizada quanto eu, mesmo que conformada pelo alívio de não ter a opção “solteira” marcada na sua certidão de óbito.

Lembra quando, há algumas semanas, você me ligou desesperada e eu pedi para retornar minutos depois, porque precisava pensar sobre o assunto e tinha um bolo me esperando para ser tirado do forno? Aquele bolo nunca existiu. Eu menti porque precisava rir do quão absurdo era o motivo de você me pedir em casamento. Eu ia te contar quando retornei a ligação, mas, no meio da conversa, você parou de desabafar e começou a chorar, lamentando não ter encontrado um príncipe encantado e pedindo desculpas por, ao invés de encantada, ser princesa oferecida pra mim.

Então eu decidi que só hoje ia contar o quanto tinha achado graça de tudo aquilo. Porque só hoje eu confessaria também que menti sobre não estar prestando atenção ao que você falava. Sim, eu estava. Meu choro emocionado não era por causa de um filme romântico na TV, mas pelas suas palavras. Minha atenção era toda sua e um filme nunca seria mais importante que te ver feliz. E eu chorei porque, até ali, ainda era uma brincadeira legal aquela de planejar nosso matrimônio. Mas já não era brincadeira. Não é brincadeira, melhor dizendo.

Eu menti sobre o choro porque, naquele momento, me senti completamente impotente para a tarefa de levantamento de astral. E confessar minhas risadas minutos antes não seria uma boa prova de competência. Quando decidimos morar juntos você disse que, caso ainda estivéssemos solteiros depois dos quarenta, devíamos levar a sério aquela ideia de casamento por conveniência. Eu estava solteiro e você já caminhava para os quarenta e dois quando seu último relacionamento acabou. Mas até você me ligar no meio das férias na praia com aquela ideia louca eu nunca mais toquei no assunto.

Eu sempre gostei dessa ideia, mas nunca cogitei implantá-la no meio das suas vontades. Era como se forçasse a realidade para dentro dos seus sonhos casamenteiros. Foi isso que, depois de desligarmos, fez do choro a chama que acendeu aqui dentro a ideia de que, se eu não era seu príncipe encantado, podia tentar pelo menos fazer encantado o dia do teu casamento. O fato é que, mesmo que – talvez – obra de um capricho seu, casamento para mim é coisa séria. “Eu fico com a festa e você com os trâmites legais” foi o que impus para aceitar o que há muito já tinha aceitado no pensamento. Você não queria fazer festa mesmo, só oficializar a causa de não partir um dia com o estado civil inalterado.

Três semanas não era tempo suficiente para organizar o que transmitisse nossa simplicidade e fizesse valer sua elegância. Inclusive, olhando ao redor, acredito que consegui ser melhor com a lista de convidados que com a organização. No entanto sempre existem elas quando nada mais me parece possível: as palavras. Essas com que tentarei te fazer sentir tão plena, feliz e realizada quanto eu, acredite, estou.

Eu estou pleno porque estou em paz. Antes bem acompanhado do que só. Estou pleno porque não preciso temer que, entre nós, promessas sejam quebradas. Estou pleno porque a serenidade me invade sem que você precise prometer fidelidade para mim. E há muita plenitude quando existe confiança sem necessidade de juramentos, porque, para nós, fidelidade não é suposição e está intrínseca à nossa existência. Estou pleno porque, casando com festa ou se nunca nos casássemos, uma certeza minha e sua é de que só a morte irá nos separar.

Eu estou feliz porque não esperava sequer casar com uma princesa, quanto mais uma tão encantadora como você. Na alegria tenho o encanto do teu sorriso, teu riso, tua risada; na tristeza vejo teu encanto cru exteriorizado nas lágrimas que seguem o fluxo e levam embora as tudo aquilo que tenta encher de impureza o teu interior; com saúde, encanta-me tua energia inacabável; e se te vejo acometida da doença, encanta-me ainda mais o vigor da tua vontade de viver ainda mais. Me encanta a caridade com que administra tua riqueza e, além de ser parte de você, tua simplicidade consegue levar encanto à mais miserável pobreza. Você, princesa, não bastassem esses encantos a te encantar, sempre esteve comigo na alegria, na tristeza, na saúde, na doença, na riqueza e na pobreza, sem ter prometido em momento algum que estaria lá. E, bem, isso também me encantou.

Eu estou realizado porque, além de pleno e feliz, meu conformismo diante de algumas situações não traz com ele qualquer lamento por não acontecerem as coisas como eu um dia imaginei. Deus escreve certo por linhas tortas, estamos cansados de saber. E eu sou muito mais escritor que virginiano, então abro mão de folhas pautadas, principalmente se as palavras forem suas ou para você. Eu estou realizado porque, mais do que alguém para casar, eu sonhava com alguém que por mim tivesse respeito. Nós nos respeitamos todos os dias de nossas vidas – porque até os apelidos vistos por outros como pejorativos, para nós nunca foi outra coisa que não resultado da nossa intimidade. E só há carinho na nossa intimidade.

Eu estou pleno, feliz e realizado, ansiando para que você se sinta assim também. E se nada que eu disse ainda lhe foi suficiente para convencer, espero que, já findando – finalmente – meus votos de matrimônio, eu consiga te dar um motivo menos cômico que uma certidão de óbito para o nosso casamento: amor. Eu te amo, Lisli. E jamais irei prometer fazer de você a mulher mais feliz do mundo, que esse querer ser-humano nenhuma conseguiria um cumprimento comprovar. Mas eu prometo que, ainda que falte água num dia ou comida no outro, até o fim da minha vida o meu amor não lhe irá faltar.

Por fim, eu nunca me importei com meu estado civil inalterado a vida inteira, com exceção de tê-lo como “viúvo”. Portanto agora é com você. Eu casei, mas não morra antes de mim. E é pra rir, porque isso devia soar como piada e que nunca no falte o bom humor.

Viver, por si só, já é engraçado, né?!

Que sejamos ainda mais felizes.

Seu, agora não mais só primo, mas marido número um,
Artur

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