domingo, 24 de janeiro de 2016

Dar um tempo

 

É sempre bom dar um tempo. Ainda que conectado nas redes sociais e de olhos grudados na tela do celular, sempre tem um momento em que você direciona o olhar para o que tem à frente – o celular é o mesmo, mas a moldura quase invisível dele não é aquela com a qual se está acostumado. Pelo menos comigo é assim que acontece nesses momentos de introspecção virtual: a voz de uma cantora de rua, uma árvore cheia de filtros dos sonhos pendurados e até aquele guaraná que você não saboreava há muito tempo se sobressaem na minha atenção e, pasmem!, eu esqueço até de tirar fotos.

E dar um tempo daqui não é só bom como pode servir como uma experiência de vida incrível, porque dá pra conhecer pessoas que, num dia-a-dia normal, não seria possível nem encontrar; os relacionamentos mais íntimos são colocados à prova da intimidade de dividir o período de férias, afinal sair da redoma confortável que é a nossa rotina para envolver-se na rotina calma, atribulada ou divertida de um outro alguém é algo que, momento ou outro, pode causar certo desconforto, o que é comum em qualquer experiência incrível. Assim como a impulsividade.

Pouco mais de dois anos atrás, de férias em São Paulo, numa das minhas saídas em minha própria companhia, estava sentado num bar, em mesa vizinha à de um casal que conversava sobre algo que acontecera tempos antes. Eu não lembro de nomes, motivos ou outros detalhes da conversa – apesar de tê-la ouvido quase toda – mas pedi ao garçom uma caneta e alguns pedaços de papel. “A cabeça que você tem hoje tem a ver com aquele momento”, eu escrevi entre aspas como se fossem elas capazes de levar a mensagem até a mulher que dizia não querer ter vivido um momento do passado.

Estava a um cigarro de ir embora quando levantei e pedi licença aos dois para entregar a ela aquelas pequenas folhas para onde tinha transcrito o que se seguiu àquela frase. Fiquei ali, entre trago e outro, ansioso pela reação após a leitura da última palavra – e ela lia em voz alta para que ele ouvisse.

"Se não tivesse sido assim, você não iria querer mudar o passado. Então, pense bem, foi tão ruim assim? E, se foi, você estaria tão madura e consciente como está hoje? Já ouvi dizer: ‘não existe amor em SP’. Amor é liberdade. É deixar-se livre para viver. Aqui é como gaiola aberta sem fechadura na porta. Porque o importante é viver. E, se você não tivesse vivido, e não tivesse aprendido, aquele momento não seria visto como você vê hoje. ‘Aquele momento’. Sempre tem aquele momento. E, se a gente se arrepende dele, é porque valeu muito à pena que ele fosse assim”.

Ganhei um abraço e um pedido de licença para ir ao banheiro. Ficamos eu e ele sozinhos, e então soube que eles tinham se conhecido naquele dia, ou dias antes, ou sei lá. Na verdade não se faz necessário lembrar quanto tempo eles tinham de relacionamento, porque, tal qual começou, estava prestes a subitamente acabar. Ele viajava de férias após um recente término de namoro, ela viajando à trabalho e permitindo-se sentir a liberdade que era estar longe de um relacionamento que há meses a sufocava. Eram como eu: viam naquela rápida passagem por São Paulo a oportunidade de se despirem completamente do medo, vergonha e receio dos olhares tortos alheios.

Dar um tempo do nosso lugar, por si só, já é uma verdadeira experiência incrível.

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