terça-feira, 29 de setembro de 2015

Contato herdeiro


Em tempos de informações compartilhadas diariamente nas redes sociais, desfazer amizade ou bloquear alguém no Facebook é causa de guerras frias, quentes ou mornas nas relações pessoais. Relacionamentos se abalam quando não estão sérios no perfil e tem gente solteira que finge um parceiro anônimo só para atrair comentários. Eu mesmo já fiz de depoimentos e recados no Orkut a coisa mais importante no dia do meu aniversário. Mas hoje eu não dou tanta importância pra isso e ainda prefiro saber como um amigo está se sentindo mais pelas mensagens privadas que pela interpretação de suas fotos ou publicações no próprio mural.

Daí que hoje eu tive um daqueles momentos em que tenho a indiferença desafiada: o fato de não dar importância excessiva como algumas pessoas dão para as redes sociais não me exclui das estatísticas de quem enxerga o próprio perfil como uma extensão virtual de si mesmo, ainda que eivado ou não da ilusão que algumas fotos do Instagram nos passa. Sendo assim, descobri hoje que existe algo chamado Contato Herdeiro no Facebook. É literalmente a pessoa que herda a responsabilidade de excluir a conta de alguém ou administrá-la caso vire um memorial – confesso que achei essa ideia interessante.

Eu não estava me atualizando das novidades das redes sociais, até porque tenho um pé preguiçoso quando se trata de caminhar paralelo às novas tecnologias. Foi uma amiga quem me apresentou a novidade quando enviou-me um convite para ser o responsável pelo destino de sua extensão virtual quando a corporal já não estivesse mais aqui. Ainda que ciente da probabilidade de, causa naturais, sua morte preceder a minha, aquela mensagem automática foi além da intenção informativa e me deixou levemente emocionado ao fazer das últimas linhas uma declaração de amor: escolhi você pois me conhece bem e confio em você.

Lembrei que falava com ela outro dia sobre fazermos juntos uma tatuagem e isso me fez pensar sobre o quão intenso deve ser aquilo que eu sinto por alguém para marcar a pele com uma extensão do outro. Então eu li aquela mensagem e isso me fez pensar também a quem eu confiaria a herança de tudo isso que eu sou, virtual e materialmente falando. Quem seriam os contatos herdeiros de minhas senhas? A quem eu confiaria o desmoronamento dos meus esconderijos que, pós mortem, careceriam do abandono? Quem seriam aquelas pessoas cujas mãos poderiam ser as únicas capazes de construir um memorial que representasse verdadeiramente o que eu fui – inclusive quando sem olhos à vista – até o dia da minha partida?

O que sei é que com todas elas eu faria uma tatuagem. Eu minto sobre tatuagens. Mas não minto sobre meus contatos herdeiros, apenas não tenho urgência de partir para dizer quem eles são.

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